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Boletim A questão étnico-racial em tempos de crise | n. 16

Criado: 17 Novembro 2020
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Boletim Especial n. 16 - 17/11/2020



No Boletim 16, Daniel Machado da Conceição (UFSC) faz um paralelo entre a manifestação do racismo na sociedade brasileira e a propagação de um vírus, evidenciando como o racismo estabelece modelos mentais capazes de orientar ações da pessoa que o manifesta e impactar efetivamente a pessoa e/ou o grupo social vitimada(o), inclusive determinando suas condições de vida (e de morte) na sociedade.

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O vírus do racismo se manifesta como modelo mental


Por Daniel Machado da Conceição

Foto: Campanha do Governo do Paraná “Racismo institucional. Chega de fingir que é normal. Racismo é crime. Denuncie, disque 100”. Imagem retirada de um vídeo institucional. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PbCZzEaCMO>, acesso em 10/11/2020.


A pandemia que enfrentamos tem trazido muitas reflexões que sugerem questionar a sociedade e o modo de vida que escolhemos seguir. Estamos confrontando valores que são paradoxais, entre eles, manter uma vida desenvolvimentista ou optar pela reclusão. Na sociedade em que a divisão social do trabalho definiu as relações orientadas na solidariedade, no atual momento, o sentido de dependência do outro está mais relacionado ao distanciamento, ao afastamento como verdadeiro símbolo de coletividade.

O momento estimula a pensar sobre as mazelas dessa sociedade, pois algumas se mostram muito presentes; são como outras pandemias que continuam a contaminar e disseminar muitas enfermidades sociais. Uma das patologias sociais que segue a contabilizar vítimas tem origem em um vírus que corrói a sociedade diminuindo não sua imunidade, mas sua humanidade. Essa patologia é anterior a sociedade moderna e não se restringe às transformações no espaço urbano e aos novos aglomerados. Um vírus que atravessa a história da humanidade e que sofre mutações de tempos em tempos, adquirindo maior letalidade durante nosso processo civilizatório de mundialização.

Quero falar sobre o racismo, que afeta corpos e mentes deixando sequelas que podem permanecer no indivíduo durante toda sua vida e mesmo nas futuras gerações. Nosso país, que possui uma narrativa exaltando a multiculturalidade, infelizmente, tem uma atitude negacionista quanto à presença e aos efeitos do racismo. Demonstra falta de interesse na pesquisa, na discussão sobre suas causas, efeitos, diagnósticos, tratamentos e expurgos.

Antes de desenvolver as alegações, quero compartilhar um relato. Imaginemos um jovem entrando em um estabelecimento comercial, seja em uma rua movimentada ou em um shopping center. Ao descrever sua aparência, observo seus tênis de marca esportiva, cadarços desamarrados, calça jeans larga, boné, camiseta e moletom, que mesmo com a temperatura amena, cobre com o capuz a cabeça do rapaz. O jovem entra no local e começa sua jornada. Inicialmente, pensou estar solitário, porém, de maneira pouco discreta, os colaboradores da casa comercial começam a destinar-lhe um olhar de soslaio que o acompanha por todos os cantos. Inesperadamente, os profissionais do estabelecimento passam a obedecer a um impulso de urgência em organizar os locais ou corredores próximos por onde o jovem anda. O rapaz coloca suas mercadorias no cestinho, pesquisa preços e solicita ajuda para esclarecer dúvidas sobre determinado produto. Os colaboradores se movimentam de maneira sincrônica com o jovem; como passos de dança no interior do estabelecimento, um vai e vem entre corredores e gôndolas com olhares insinuantes. Ao finalizar suas compras, o jovem se dirige ao caixa, efetua o pagamento e só quando sai do estabelecimento o último colaborador que estava na porta volta, agora, tranquilo, a realizar suas atividades laborais.

Um relato de algo que parece se repetir em muitos estabelecimentos comerciais, que não indica nada novo e até parece reforçar o que está naturalizado. No entanto, desejo utilizar tal apresentação como exercício para pensar sobre a disseminação do racismo. Como podemos caracterizar o racismo neste breve relato? A resposta imediata pode indicar a postura dos profissionais que perseguiram o jovem cliente durante suas compras. Uma afirmativa correta, mas não quero falar dos personagens descritos no relato.

Vamos recomeçar. Acredito não haver dúvidas de que se trata de uma situação que envolve preconceito e que seu cerne é o racismo. Sim, tenho que concordar, mas precisamos discutir como o preconceito se apresenta. Como esse vírus destrói nossa humanidade e a partir de quais ações se torna letal? Primeiro, devo questionar a imagem do jovem que foi criada mentalmente pelo leitor. O relato em nenhum momento indicou representar um jovem preto. Porém, já no início do mesmo, a imagem que o leitor optou para idealizá-la em sua aparência esteve provavelmente definida pela cor da sua pele.

O racismo pode ser percebido como um modelo mental, se institui como estrutural e se faz presente em todos os espaços sociais. As instituições reproduzem valores que são transmitidos em falas, olhares, gestos etc., sendo legitimados na família, na escola e na empresa. Um vírus que se manifesta agressivo em relação a outros indivíduos, que adquire resistência no espaço privado e no público, com reações que se assemelham, mas com sintomas que podem ser distintos dependendo da maior ou menor proximidade com indivíduos pretos. Essa constatação, supostamente, justifica seu baixo diagnóstico ou a confusão que sempre permite amenizar sua existência com o argumento de um familiar, um vizinho, um amigo da escola ou colega de trabalho ser parte do círculo de afinidades.

Nossa socialização estabelece modelos mentais, preconceitos, que irão orientar a maneira de nos relacionarmos no mundo e com os outros. O relato auxilia na percepção desse modelo mental que atribuiu cor específica ao cliente que circulava no interior da loja. Quando esticamos o mesmo modelo para outras ações que também idealizamos em nosso dia a dia, identificamos que o comentário feito a um estudante em sala de aula pode estar carregado de valores orientados por esse modelo. Talvez, possamos, então, considerar: quando andamos longe de uma rua principal, ao precisar parar o carro em um cruzamento pouco movimentado, na promulgação de um veredito judicial, durante uma abordagem policial ou, mesmo, na contratação de um profissional, nestas e em muitas outras ações no nosso cotidiano, acionamos os modelos mentais disseminados pelo vírus do racismo. Geralmente, um modelo pejorativo, negativo, limitante, temeroso e discriminatório.

A ideologia supremacista, em seus portadores, causa daltonismo racial, situação que impede discernir e aceitar a cor, isto é, dar vida à diversidade social. Um indivíduo infectado perde boa parte de sua percepção cognitiva, passando a agir dependente dos estímulos de um modelo mental deturpador. Muitos outros indivíduos não desenvolvem os sintomas mais graves e permanecem assintomáticos. Tal condição não se apresenta como menos nociva, pois suas ações são ainda mais dolorosas. Os assintomáticos convivem socialmente, circulam pelos espaços, compartilham regras de sociabilidade, se relacionam com outros indivíduos, estudam, trabalham, mas, quando deixam os sintomas do racismo aparecer, podem ser repugnantes e letais. É muito angustiante identificar os sintomas em familiares, amigos, colegas ou em estranhos que conhecemos diariamente.

Um vírus persistente que se propaga de dentro para fora, transmitido por meio de modelos mentais que direcionam a nossa visão de mundo. Por mais que estejamos lutando para superar as ações e as atitudes racistas, os estereótipos continuam a marcar um lugar; são estigmas que representam aqueles que identificamos como perigosos e desviantes de um dado padrão hegemônico. Isto é, são merecedores de olhares de vigilância, pois, sua índole, supostamente frágil, é oportunista.

Uma cura possível para esse vírus está na educação, na aquisição de conhecimento, na valorização de saberes e no reconhecimento do outro, ações que influenciarão o fortalecimento da nossa humanidade. Dessa maneira, uma cura pode salvar vidas que se perdem não apenas em leitos de hospitais, mas que agonizam em vias públicas cobertas por sacos para corpos ou guarda-chuvas. O racismo é um vírus letal que estrutura modelos mentais equivocados, comprometendo desde a gestação, a mãe e seu filho preto. Após o nascimento, ainda na infância ele enfrentará as ações de pessoas contaminadas; em seguida, na adolescência, na vida adulta, e se senil chegar a ser, poderá dizer que é um verdadeiro sobrevivente. No entanto, mesmo depois de sua morte, o racismo estrutural não irá cessar de atacar o corpo preto que busca descanso.

Seja na concepção ou na finitude da existência do corpo preto, o vírus do racismo define modelos mentais que influenciam a continuidade ou a descontinuidade de inúmeras vidas. A superação dessa realidade, a cura esperada, só será possível quando a barbárie presente em nosso virulento modelo mental não mais estiver evidenciada, como no caso do nosso país, na cor da pele.

Daniel Machado da Conceição é doutorando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email de contato: danielmdac1@gmail.com.

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Este texto é parte de uma série de boletins sequenciais sobre a questão étnico-racial em tempos de crise que está sendo publicada ao longo das próximas semanas. Trata-se de uma ação conjunta que reúne a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM). Nos canais oficiais dessas associações estamos circulando textos curtos, que apresentam trabalhos que refletiram sobre epidemias. Esse é um esforço para continuar dando visibilidade ao que produzimos e também de afirmar a relevância dessas ciências para o enfrentamento da crise que estamos atravessando.

A publicação deste boletim também conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/SC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), da Associação Nacional de Pós-Graduação em História (ANPUH), da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

Acompanhe e compartilhe!

ANPOCS - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
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