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Boletim A questão étnico-racial em tempos de crise | n. 23

Criado: 02 Dezembro 2020
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Boletim Especial n. 23 - 02/12/2020



No Boletim n. 23, Vinícius Venancio (UnB) apresenta o conceito de necropolítica cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, discorrendo como o caos político e sanitário causado pela pandemia da Covid-19 conecta a realidade brasileira a esta noção, ao intensificar a estrutura racista que marca a existência da população negra no país. O autor critica ainda o uso inadequado do termo por pesquisadores brancos descomprometidos com a questão racial e com a valorização de pesquisadores negros.

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“A Questão Étnico-racial em Tempos de Crise”: que necropolítica é essa? Usos e abusos do conceito


Por Vinícius Venancio

Foto: “Navio negreiro” parte do acervo do Museu Afro Brasil, Coleção Museu Afro Brasil. Foto por Rodrigo Tetsuo Argenton. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Navio_negreiro_(Museu_Afro_Brasil).jpg>, acesso em 30/11/2020.


A pandemia da Covid-19 fez com que as ciências sociais voltassem o seu olhar para a situação calamitosa que vivemos, popularizando algumas ferramentas conceituais, como a necropolítica, termo cunhado pelo camaronês Achille Mbembe ainda no início dos anos 2000. Se antes da pandemia o Brasil já demonstrava ser terreno fértil para sua utilização enquanto ferramenta analítica, a caótica situação político-sanitária pela qual atravessa o país faz do seu uso um aparato ainda mais potente.

O termo vem ampliar e cobrir certas ausências das leituras foucaultianas sobre governamentalidade e biopoder, já que diz respeito à “capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é” (Mbembe, 2018, p. 50). Um olhar descuidado para a conceito pode levar à compreensão de que todos nós, que não detemos o controle dos meios de produção, estamos condicionados a esse necropoder estatal. Todavia, Mbembe complexifica a situação, apontando os contextos coloniais enquanto engendradores dessa situação de “morte em vida” – e a raça como um dos fatores decisivos para elencar quem vive, quem morre e quem segue esperando a morte. No caso brasileiro, é a escravidão Atlântica que nos conecta à necropolítica, uma vez que esta foi, para o autor, uma das primeiras manifestações do terror moderno pautado na biopolítica (Ibid., p. 27).

O autor, que dedicou a sua carreira acadêmica para compreender os impactos político-psicológicos do colonialismo tardio, propõe a ideia da necropolítica ao olhar para aquilo que ele denomina de mundo pós-colonial. A pós-colônia, para Mbembe (2001), seria o resultado de uma experiência prévia, a da colônia, que engendrou práticas de violência tão grandes na estrutura das sociedades colonizadas que, mesmo “finda”, não para de reproduzir essa violência em um circuito de bola de neve. Tendo esse cenário por base, podemos compreender que a necropolítica é muito mais do que o fim da vida: na sua égide, morre-se ainda em vida. A necropolítica é vivida como uma agonia contínua que tortura as pessoas dispensáveis com a iminência de uma morte que ninguém sabe quando chega, sendo a pandemia da Covid-19 sua nova ferramenta de tortura, intensificando as condições insalubres de existência promovidas pelo racismo brasileiro.

Elaborado como categoria analítica e conceito de visualização do mundo pós-colonial, a necropolítica assenta suas bases na realidade da modernidade racializada. Portanto, quaisquer leituras que a afastem deste fato, distorcem, por si, os seus usos e sentidos. Todavia, apesar das localizações e assentamentos conceituais feitos pelo próprio autor, no Brasil a necropolítica é utilizada de maneira distorcida, com uma roupagem luso-tropicalista. Nesta configuração, raça deixa de ser um fator determinante para a mobilização do discurso político e acadêmico e, em meio à pandemia, toda e qualquer morte/violência acaba caindo na chave da necropolítica.

Até o ato de malhar um boneco – prática histórica dos rituais católicos – representando o então governador carioca Wilson Witzel foi compreendido enquanto a necropolítica voltando-se contra seu perpetrador. De qual maneira uma figura como a de Wilson Witzel pode ser vista como alvo da necropolítica, quando ele disse, antes mesmo de assumir, que “a polícia vai mirar na cabecinha e fogo”, referindo-se às operações policiais nas comunidades cariocas (Pennafort, 2018)? Como o alvo da necropolítica seria uma pessoa que permitiu a ocorrência de ações policiais em meio à pandemia – que mobilizou manifestações sob o mote #VidasNegrasImportam? E que deixou água barrenta ser fornecida para as comunidades do estado por ele governado em meio a uma crise sanitária!

Com esse exemplo, podemos perceber que a necropolítica no Brasil tem por alvo cores de pele e regiões de residência muito bem delimitadas, que são construídas em oposição às dos seus perpetradores. Se a necropolítica não surge após as eleições de 2018, que levou aos governos federais e estaduais um conjunto de governantes empenhados a dizimar populações negras e indígenas, os seus efeitos são paulatinamente escancarados nos últimos dois anos, embora ela seja uma característica fundante da nossa democracia antinegro (Vargas, 2017). O número exorbitante de pessoas mortas e contagiadas pelo descaso com a pandemia da Covid-19 é reflexo disso. Nesse período, jornais publicam reportagens com manchetes como “Coronavírus é mais letal para pacientes pretos e pardos” (Cardim; Nunes, 2020), o que, em uma leitura rápida e descuidada, pode dar a entender que esta é questão meramente biológica e não social, quase que justificando a morte dessa parcela da população.

Dessa forma, as mortes vão sendo sistematicamente justificadas e os indesejáveis apagados. Por essa razão, advogo por um uso sério da necropolítica para entender todas as nuances que esse projeto de morte propõe ao projeto de nação brasileiro. Nesse sentido, não é possível permitir que cientistas sociais brancos sigam fazendo um uso instrumentalizado do conceito, promovendo uma inserção marginal de autores racializados, o que pode ser facilmente compreendido enquanto epistemicídio (Carneiro, 2005). E esse epistemicídio tem um efeito muito semelhante ao da necropolítica: aos poucos, ele vai apagando os indesejáveis da bibliografia. Assim, a necropolítica se constrói em um processo de desumanização tão violento que mesmo quando acreditamos que escapamos dela, um contragolpe é dado. A contribuição de autores negros vai sendo deturpada e os louros colhidos pelos acadêmicos brancos, que se apresentam como inventores da roda. Outro bom exemplo disso é a própria Virgínia Bicudo, como nos conta Janaína Damasceno (2013).

Dito isso, refaço a pergunta que intitula o meu argumento: que necropolítica é essa? É possível, num Brasil majoritariamente negro, descolar o necropoder da pandemia da questão racial? É possível usar necropolítica em títulos de artigos e “esquecer” de citar o propositor do conceito? É possível seguir usando o termo apenas para explicitar que conhece o “autor negro e/ou africano da moda”, mas sem levar a sério a sua densa proposição? A minha resposta para todas essas perguntas é, obviamente, que não. A precarização das vidas negras intensificada pela pandemia, como apontam Santos et al (2020), nos mostra que não é possível simplesmente citá-lo sem levar a sua contribuição à sério.

Até quando cientistas sociais brancos deixarão potentes contribuições negras caírem nas rasas margens da discussão acadêmica, onde eles se banham, mas ninguém mergulha? Se as instituições têm o poder de lembrar e esquecer (Douglas, 1998), não podemos permitir, mais uma vez, que cientistas sociais se esqueçam da raça enquanto categoria central de determinação dos matáveis, especialmente em meio a uma pandemia, nessa grande plantation que é o Brasil.

Vinícius Venancio é doutorando em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Brasília – PPGAS/UnB.

Referências:

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

CARDIM, Maria Eduarda; NUNES, Maíra. Coronavírus é mais letal para pacientes pretos e pardos. In: Correio Braziliense. 13/04/2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/04/13/interna-brasil,844115/coronavirus-e-mais-letal-para-pacientes-pretos-e-pardos.shtml. Acesso em: 13/04/2020.

DAMASCENO, Janaína. Os segredos de Virgínia: estudo de Atitudes e Teorias Raciais na São Paulo dos anos 1940-1950. Tese de Doutorado. Tese de doutorado, PPGAS\USP. 2013.

DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: EDUSP. 1998.

MBEMBE, Achille. On the postcolony. Berkeley: University of California Press. 2001.

MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. São Paulo: N-1 edições, 2018. 80 p.

PENNAFORT, Roberta. “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo", afirma Wilson Witzel. Uol Notícias. 01.11.2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/11/01/a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo-afirma-wilson-witzel.htm. Acesso em: 07.09.2020.

SANTOS, Márcia Pereira Alves dos; et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. In: Estudos Avançados, São Paulo , v. 34, n. 99, p. 225-244, Aug. 2020. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142020000200225&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13/04/2020.

VARGAS, João Costa. Por uma mudança de paradigma: antinegritude e antagonismo estrutural. In: Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 48, n. 2, p. 83-105, jul./dez. 2017.

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Este texto é parte de uma série de boletins sequenciais sobre a questão étnico-racial em tempos de crise que está sendo publicada ao longo das próximas semanas. Trata-se de uma ação conjunta que reúne a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e a Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul (ACSRM). Nos canais oficiais dessas associações estamos circulando textos curtos, que apresentam trabalhos que refletiram sobre epidemias. Esse é um esforço para continuar dando visibilidade ao que produzimos e também de afirmar a relevância dessas ciências para o enfrentamento da crise que estamos atravessando.

A publicação deste boletim também conta com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/SC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), da Associação Nacional de Pós-Graduação em História (ANPUH), da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur).

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